Vemos no noticiário diuturno inúmeros casos de mau ou nenhum atendimento nos hospitais públicos a quem necessita urgentemente de socorros médicos. Queda-se silente, porém, a mesma mídia, quando, ao contrário, sacrificam-se, médicos e atendentes em geral, para salvar a vida ou recuperar a saúde desses necessitados o que é regra quase absoluta. É a normalidade das coisas. A imprensa lida com o interesse geral, com o que causa mais impacto emocional junto aos leitores. Exemplo: se um cão morde um homem, não há interesse em publicar esse fato, tão comum que é. Mas se um homem morde um cão, isso sim, vale a pena alardear pela mídia. Mesmo que a chamada omissão de socorros médicos e hospitalares sejam uma constante, pelo menos existe hoje em dia um meio de serem atendidos os necessitados. Nos casos mais agudos, até com a intervenção da justiça. Essa elucubração me fez pensar como era antigamente morria-se à míngua, quando muito com a intervenção inútil de um curandeiro perito em chás e mezinhas, benzedor de quebrantos e quejandos. Em muitas povoações, o médico era o barbeiro que, com sua navalha contaminada por bactérias, fazia a sangria para expulsar o sangue grosso que era o responsável pela doença. Certa feita, pesquisando velhas atas de nossa Câmara, no tempo em que documentos históricos eram preservados (hoje, não mais existem, foram jogados fora como papéis velhos e inúteis), deparei com um caso interessante de medicina e justiça aqui ocorrido e o que não estava expresso, deduzi com laivos de certeza. Relato a seguir: certa senhora, talvez jovem e casada com um maduro fazendeiro, estava em tempo de dar à luz. Por infelicidade e porque o feto devia estar mal posicionado, não conseguia sucesso e a parteira experiente esgotara todo o seu conhecimento. Já apelara aos arranjos espirituais, ramo de palha benta, milagrosos bentinhos da Madona do Carmo amarrados ao pescoço da parturiente, um lenço branco à cabeça, oratório improvisado ao lado do leito, copo com arruda, garrafa vazia para que a parturiente soprasse nela com força. Nada! Desespero geral! Manda o fazendeiro um emissário a cavalo a Brotas, à procura de um médico. Volta de mãos vazias. Mandado a Jaú, cidade mais nova desenvolvida e o médico de lá tinha outras urgências. Recorre-se ao único farmacêutico daqui mesmo, que, à falta de outros recursos e consultando velhos alfarrábios, ministra à enferma uma substância chamada centeio espigado, apropriada para acelerar partos (até hoje compõe para o mesmo fim, drogas utilizados por aborteiros). A jovem, porém, sucumbiu. Inconformado, o fazendeiro processou o pobre boticário. Na cidade não havia juiz e então, o processo correu pela Câmara Municipal, sendo juízes os vereadores, que absolveram o réu por humanidade. Isso constou da ata. Episódio da formação de nossa História, digno de registro como seriam muitos outros se preciosos documentos não fossem ao lixo ou à pira por ordem dos Torquemadas de plantão. Quantos episódios de heroísmo desde a subida da “serra dos impossíveis” pelos desbravadores partidos de Brotas (hoje, uma subidinha de nada), comparações guardadas as devidas proporções, pela audaciosa conquista da Lua. A picada se transformou em caminho de carroças, boiadas e tropas de burros e a fundação de nossa urbe. Tudo isso se oculta na cortina indevassável do tempo. Quanto sacrifício para que pudéssemos usufruir das benesses de hoje em dia. E quanto não devemos a esse heróis.
Por Edmeu Carmesini
