Crônica de seu jornal eletrônico com Silvana Duarte!

Avenida da Saudade

Outro dia, caminhando pela Avenida da Saudade, intitulada com este nome porque no final dela podemos ver ao longe uma terra cheia de anjos, não é o Paraíso não caro leitor, pois os anjos que lá estão são imagens feitas com materiais nobres, com mármore de Carrara, por exemplo. A avenida, maravilhoso leitor, nos serve de prenúncio para nos avisar: ande mais um pouco e avistará a terra dos vencidos.
Do pó viemos e do pó retornaremos, “graças a Deus”, já dizia minha vó, “já pensou ficarmos para semente?” Só agora a entendo, ficar para semente significa viver infinitamente. Isso seria surreal, viver ao lado de Noé, por exemplo, já pensou? Encontrar o Noé na rua? E dizer: “e aí véio”. Com certeza Noé estaria preocupado c om os animais, faria trabalho voluntário, promovendo campanhas para proteger os cachorrinhos abandonados. Obviamente, ninguém aguenta viver tanto, a não ser as árvores.
Há árvores que vivem mais de cem anos, outras, infelizmente, são ceifadas em tenra idade nem ficam para semente não por força da natureza, mas por violência humana. Sem mais digressões, volto a dizer que caminhava pela Avenida da Saudade, cheguei até o portão do cemitério, o sol morria lentamente num horizonte saudosista. Tudo fluía para refletir sobre a vida, afinal, quando andamos apreciando a paisagem o tempo passa mais devagar, principalmente sob o crepúsculo, o espaço, as horas, tudo colabora para a melancolia. Acho que a tarde, literalmente, é mais triste que a manhã e mais reflexiva que a noite. Deve ser pela saudade do ontem, do tempo que já se foi, já dizia o poeta Paulo Mendes Campos: “A saudade à hora do crepúsculo estragou-me todos os outros crepúsculos”. Retornando para casa, o sol ainda estava laranja concorrendo com enorme campina que esverdeava meus olhos. Eu sabia que ao vê-la, a melancolia iria embora, pois ela representava a mudança das estações, novas esperanças…de repente a saudade dela me tomou conta por segundos, ela sempre estava tão linda e enigmática, o horizonte laranja me revelou um vazio, ela se fora para sempre, não estava mais lá, pelo menos não mais de pé, imponente como era, a ceifaram para sempre, dilaceram seus galhos, seus braços, os deixaram revirados, o tronco carregado de memórias íntimas, agora jaz, expostos para qualquer um ver e para apodrecer ao vento.
O assassinato da minha musa inspiradora se justificou para fazer mais pasto. Eu viera saber mais tarde desta informação. Que clichê mais ordinário este. É que estamos no Brasil, caro leitor, onde muitas ações extraordinárias e “aberradoras” já se tornaram usuais. Portanto, o corte de árvores também se tornou banal.
Nas escolas, docentes ensinam que não se pode cortar nem podar sem autorização da prefeitura. Se alguém fizer, poderá responder por crime ambiental. Isso não vale só para as árvores, mas para qualquer tipo de planta de adorno em jardins, parques etc. Logo, há uma lei de proteção para protegê-las. Infelizmente, a paineira não tinha muitos seguidores nem era rica, por isso não desprovia de um bom advogado.
Desde criança, é da natureza humana o desejo de ser herói, defender os mais fracos, mas, quando adulto, a maioria se esquece de seus sonhos, caem na rotina e considera o errado como certo. Alguns ainda se lembram da essência que ficou na infância, se arriscam pelos seus sonhos, pelas causas dos oprimidos e indefesos. Em contrapartida, outros, à tardinha, em algum momento da vida, caminharão pela Avenida da Saudade e se lembrarão de sonhos interrompidos. Anjos ao longe, tentarão sinalizar algum contato: “aqui, jaz poetas que não aprenderam a amar, e adultos calados e “esquecedores” de sua eterna criança”. Quem sabe da próxima vez o corte de uma árvore faça mais barulho acordando crianças adormecidas.
(continua na próxima semana)

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