Um silêncio ensurdecedor
Por Silvana Duarte
@silvanaduartepoeta
Livremente baseado no romance homônimo de Martin Amis de 2014, o documentário de Jonathan Glazer, “Zona de interesse: os mil sons do terror nazista” acompanham o sono de famílias e tem como essência um terror puro ensurdecedor. O silêncio pode ter diferentes significados, muitos são incertos e muitas vezes incompreensíveis, contudo, é inegável dizer que uma característica não combina com o poder do silêncio: a de ser inerte. Se engana quem acredite na comunicação feita só por palavras emanadas por meio da voz. O silêncio, caro e maravilhoso leitor, pode ser mais ruidoso que mil apitos gritando em uníssono.
Existe um certo arbítrio subjacente a todo silêncio ressoado. Ao sinalizarmos, por exemplo, pelo farol do carro, a presença de viaturas policiais em uma blitz. Ao longe, veremos carros desviando o caminho após apresentar o sinal luzente e silencioso. Desviar-se da fiscalização pode significar muita coisa: um licenciamento atrasado por exemplo, um foragido talvez que esteja com medo de ser descoberto ou alguém prestes a cometer um homicídio ou roubo: “Putz, que azar, vou cortar caminho, quase me descobrem.” Uma simples blitz para realizar o bafômetro pode possuir um silêncio vasto, carregado de sentido e intenção transformadores a curto ou a longo prazo.
Há silêncios ensurdecedores quando não denunciamos a prostituição infantil e de adolescentes. Ao presenciarmos uma humilhação e nos calamos. Normalmente, a reatividade de uma pessoa dependerá de seu estado emocional, assim, brigar, xingar e rir são atitudes consideradas espontâneas e evidentes enquanto o silêncio requer planejamento e racionalidade. Opta-se friamente por uma posição. É como comprar uma mercadoria sem nota fiscal, no fundo você sabe que é de origem duvidosa (furtada ou roubada), mesmo assim você a compra, por isso, a pena é maior para quem as recebe e não para quem as vende: quem cala consente e não adianta dizer que não sabia…
Sabe, sou do tempo que um olhar já dizia muito: apenas uma franzida de testa cujos dizeres podiam me doer a própria pele: “Não disse pra não passar na frente da visita durante a conversa???”. Há silêncios ensurdecedores feito visitas indesejadas num domingo. Você apenas os esquece durante a semana, porém, eles continuam lá, ecoando em mil sons surdos, reunindo passado e presente, adormecidos sob o tapete da sua própria sala.
Devo contar quando for assistir ao documentário “Zona de interesse”? Ou devo guarda-lo em silêncio? Por hora, prefiro quebrar o silêncio e dar um spoiler:
Como é possível viver ao lado de Auschwitz e ignorar o que está por trás do muro?