Por Silvana Duarte
@silvanaduartepoeta
Manuel era policial com grande orgulho. Começou a trabalhar em uma cidade pequena, mas com grandes eventos policiais, afinal, estamos em um país onde o crime “pode compensar”, onde um agente de segurança enxuga gelo incansavelmente todos os dias: prende e solta, soltam e ele prende (quando encontra o indivíduo ). As audiências de custódia que o digam…
Em um único dia, o soldado Manuel e o cabo Gerson, seu fiel escudeiro levaram à delegacia três jovens por porte de drogas. Você sabia, caro e maravilhoso leitor que não está na lei uma limitação exata sobre a quantidade de porte de drogas, assim, resta ao juiz entender se a quantidade da droga que a pessoa carrega era grande ou não, ou seja, um grama de droga seria claramente considerado porte para o próprio consumo, o problema possuir no bolso três mil reais e um grama de maconha, sem conseguir explicar a procedência do dinheiro.
Aquela noite não parecia ter fim, o que os dois mais desejavam era apenas realizar seu trabalho, mas ter tempo para jantar. Se sobrassem 15 minutos já estava de bom tamanho, no entanto, já era sexta-feira, a bruxa fica solta. Há certas noites em que o álcool provoca o pior do ser humano, há noites em que famílias se reúnem em volta da carne, confundindo-a com uma roda de terapia: desenterram desamores e dissabores de séculos passados, o que normalmente resulta em brigas regadas a discussões um tanto acaloradas, “facãozadas” e acusações de todo tipo.
A Manuel e a Gerson, os psicólogos noturnos, cabiam resolver os conflitos, interrompendo brigas, a meta era evitar mortes. Cada um tem seu destino e colabora para tal (é o livre arbítrio). Com briga ou sem briga, o que mais interessava Manuel, era traçar este destino de barriga cheia, com pizza de preferência. Ele podia exalar o aroma da fome, diferentes pizzas eram assadas e o sabor parava no ar.
Após saírem de mais um B.O terminado em “pizza”, já que os jovens saíram rindo, pois foram liberados, eles foram para o centro da cidade, lá avistaram uma pizzaria, mas o rádio tocou. “Tá no QAP?.” “Sim, na escuta Steve”. “Desinteligência na rua 13 de outubro”. “QSL. TKS!”
O endereço era familiar para os dois, já sabiam de quem se tratava, tanto que cabo Gerson já pensava em voltar aos estudos, que sabe até realizar uma pós-graduação em direito familiar como foco em resolução de conflitos porque era sua especialização intermediar briga de casal.
No local, o casal discutia sem parar, como sempre se negavam a realização de um B.O, ambos não queriam sair dali para ir até a delegacia, era uma espécie de tradição: na sexta-feira eles tinham que brigar. A barriga de Manuel roncou quando perguntou qual seria o motivo da briga. Sorte dele que o homem alterado pela bebida, gritava, assim, ninguém conseguiu ouvir sua fome gritar.
Cansado da mesma briga toda sexta-feira, o cabo decidiu que naquela noite colocaria fim naquela briga como hora marcada. “Do neida”, ele disse: “Vocês querem se separar ou não?”, o casal respondeu que sim.
“Eu sou a lei, eu posso fazer isso, deem um ao outros suas mãos”. O casal uniu-se como quando se casaram. Cabo Gerson ergueu sua mão para o alto e logo dividiu as mãos dadas com um único gesto, separando-as. Pronto, a partir de hoje, vocês estão separados em nome da lei!!!
Voltaram para a viatura, estavam felizes e orgulhosos por mais uma ocorrência resolvida amigavelmente sem realização de B.O.
Ligaram o rádio, o de música, por fim tinham alguns segundos de paz: o jornal da noite anunciara: “Com cinco votos a favor e três contrários, a votação da descriminalização do porte de maconha para uso pessoal é paralisada mais uma vez no Supremo Tribunal Federal. A corte retomou, nesta quarta-feira (6), o julgamento da ação, a votação passou a ser de cinco votos para não criminalizar o porte para o uso pessoal e três votos para a criminalização. Gerson, resmungou”. “Ainda fica a cargo nosso resolver essa parada”. Murmurou Manuel.
Ainda aliviados de estarem apenas conferindo as ruas da cidade aparentemente pacata, eles rumaram em direção à pizzaria, mas o rádio, soou de novo, outra ocorrência, agora era uma que exigia bombeiros ou SAMU. Manuel ouviu e rapidamente se deu conta que estava próximo da ocorrência: se tratava de um suicídio.
Em menos de trinta segundos ele já estava na casa, segurando o homem, enquanto o seu parceiro cortava a corda. Sem pensar, sem discutir com os curiosos que ali estavam, dirigiram-se até o hospital. Lá, os médicos disseram que os primeiros socorros dos policiais foram cruciais para reanimação do sujeito.
Gerson esperava o responsável do turno chegar, pois ele saíra para jantar. Ele sentiu inveja: “Deve estar comendo pizza, certeza”. Enquanto isso foi verificar o estado do homem.
Viu que ele recobrou os sentidos. Quando viu o cabo ali, compreendeu tudo. A raiva tomou-lhe conta, chorando e esperneando feito criança, xingou porque nem cabo da própria vida podia mais.
O cabo então, teve pena do pobre homem, seus olhos lacrimejaram dizendo: “Eu te entendo amigo, sei bem o que é ser interrompido, você acredita que faz 15 anos que eu não consigo jantar em paz?!!!”