Por Silvana Duarte
@silvanaduartepoeta
Passando o tempo
À beira do portão, quatro mulheres discutiam. Tomando meu sol de sábado de manhã, eu ali pertinho estava, sentado em minha confortável cadeira de vime, eu lia meu jornal tranquilamente enquanto ouvia as reclamações femininas do outro lado da rua. Confesso que ri quando entendi o cunho da conversa delas. Eu me preocupava com a política do país, por isso lia jornal, o grupo feminino se preocupava em discutir sobre serviços doméstico, sobre a perda de tempo em algumas tarefas. Para mim aquele tipo de discussão era uma verdadeira perda de tempo, mesmo assim, preferi deixar o jornal de lado, pois queria conhecer os argumentos e o pensamento feminino acerca dos afazeres domésticos e também porque a discussão estava atrapalhando minha leitura.
É certo que minha mãe sempre cuidou bem de mim, nunca me deixou fritar um ovo, tampouco a Dona Lucia, minha digníssima esposa com quem eu vivo há 15 anos, ela jamais me deixou fazer algo na cozinha ou relacionado à limpeza. Eu poderia apresentá-la a vocês neste exato momento, mas ela deve estar preparando o almoço ou deve estar passando roupa. Não duvido nada de que esteja realizando as duas tarefas ao mesmo tempo. Como eu admiro essa arte feminina: a de fazer mil tarefas ao mesmo tempo, admiro, pois, para mim isso é impossível, devo escolher: ou leio o jornal ou ouço uma discussão. Meu cérebro não consegue fazer duas atividades de modo concomitante.
Por falar em passar roupa, era sobre isso que as donas de casa estavam discutindo, uma delas disse em tom alto e indignado: “Passar roupa pra quê?”; “Verdade amiga, eu bato as roupas antes de estender no varal, quando recolho, já estão prontas pra vestir, ô serviço inútil este!”; “O quê? Gente?”- dizia outra. “Passar roupa é uma delícia, eu já aproveito pra deixar o guarda-roupa organizado, já que tenho que guardar as roupas passadas.
Uma delas, apenas ouvia, não falava nada, se chamava Clarice, era contida e era a única que trabalhava fora. Já Craudiona, era a mais barraqueira, observou que a companheira ao lado só escutava, não opinava nada, resolveu então, cutucá-la: “E você Crarice, não passa roupa não?”. A moça parecia estar em Narnia, despertando-se assustada, ela respondeu de forma lenta e delicada: “Passo sim e é minha tarefa predileta, passo roupa aos domingos à tarde.”
As outras ficaram incrédulas, contestaram dizendo: “Creedo, aos domingos, por quê?
Clarice demorou para responder, mas vendo que todas esperavam seu argumento disse: “Acho que é porque apenas passo roupa, é um serviço que demora, então acabo tendo tempo para respirar, parar de pensar em mil coisas ao mesmo tempo, acho que é isso, me relaxa, sabe, percebo que estou viva…”
Eu, dali da minha confortável cadeira pude ouvir tudinho. As outras mulheres, se calaram, acho que ficaram sem argumentos para seguir adiante a discussão. Assim, cada uma voltou para sua casa, regressando à rotina “extraordinária” que mantinham. Enquanto eu regava as plantas do jardim, pude ver o marido de Clarice saindo com as crianças para ir ao parque, pois era domingo e era tarde. Fiquei refletindo sobre o que havia ouvido, então, resolvi eu mesmo recolher e guardar as roupas do varal. Vou tentar aprender a passar roupa.