Em meados de 1964 (ou 65) eu integrava, aos 17 anos, o corpo de locutores da Rádio Cultura de Dois Córregos, então operando em 680 quilociclos. Éramos todos jovens, oscilando entre 16 e 23 anos. Nessa época as músicas do movimento “Jovem guarda” estavam em alta, e um cantor que estava fazendo sucesso com a música “Quero que vá tudo pro inferno” iria fazer uma apresentação no município de Jaú – era o Roberto Carlos, no início de sua carreira, com cerca de 22 a 24 anos. Para se chegar a Jaú, vindo de São Paulo, naquela época, necessariamente teria que passar pelo centro de Dois Córregos, pois não havia ainda a pista Torrinha – Jaú. O viajante viria pela Avenida Leo Guaraldo, passando pela “porteira” da linha férrea, subiria costumeiramente a Rua XV de Novembro, seguindo destino Jaú – Bauru. Entramos então em contato com seu empresário, em cima da hora, solicitando na sua passagem por Dois Córregos uma pequena canja no Aero Clube. O empresário questionou o preço, e informamos que a Rádio Cultura não tinha verba disponível, mas o que fosse arrecadado na bilheteria seria entregue como pagamento. E foi fechado então esse contrato verbal. No dia e hora combinados o Roberto Carlos chegou com seu motorista em frente ao aero clube, e o resto de sua comitiva seguiu rumo a Jaú – eram cerca de 18 horas -; o salão do Aero estava repleto de meninas e adolescentes. Roberto entrou pelo corredor à direita e surgiu direto atrás do palco. Ocorreu um pequeno incidente, pois o microfone do clube ao ser testado, não funcionou. Roberto Carlos pediu então ao Mário Bertote o seu pequeno canivete, que estava pendurado em um chaveiro, e com ele passou a consertar o microfone. Por várias vezes precisamos ir além da cortina acalmar o público presente, que já estava ansioso e gritando pelo cantor, e explicar o ocorrido. Enquanto o Roberto mexia no microfone pude observar seu semblante calmo, roupas jovens e com cabelos ainda curtos, e várias cicatrizes no pescoço, provavelmente oriundas de um acidente de trem que lhe custou parte de uma das pernas. Não houve um anuncio oficial no palco, como é de costume, mas apenas alguns pedidos de “calma que ele já vem”. Arrumado o microfone Roberto se dirigiu ao palco com sua guitarra, cantou seis músicas, dirigindo algumas palavras aos presentes. Como tinha compromisso em Jaú dirigiu-se rumo à saída e foi cercado pelas fãs no corredor. Para poder se safar ele retirou então do seu dedo o anel conhecido como anel brucutu e o jogou no meio do salão. Foi uma correria só, e alguém com certeza o pegou. Entregamos então ao empresário uma caixa de papelão, improvisada como urna com toda a arrecadação da bilheteria, que de fato foi muito pouco, e eles seguiram seu caminho. Foi muito bom. Não houve registros fotográficos ou de áudio esta passagem do rei. Mas temos que louvar a iniciativa daquele grupo de jovens da então jovem Rádio Cultura. Relembrando hoje, parece que foi apenas um sonho.
Davson Grael Tablas